sábado, 29 de agosto de 2009

Manhã suja

Abri os olhos sentindo-me um coelho indefeso a acordar pela primeira vez para o mundo. Logo sem sequer notar, um sentimento arrebatou-me por completo. Uma efémera nostalgia vinha ao de cima. Apetecia-me voltar a passar tardes a rebolar na relva verde, apetecia-me voltar a dizer piadas secas que apesar de tudo provocavam risadas infinitas.
Sentei-me na cama e olhei a meu redor. Via um lençol branco, uma colcha laranja. Via estantes com cd's, com livros e com memórias. Via um quarto nu e cru, frio e vazio. Mas nem pensei em lamentar-me.
Saltei e abri a janela. Nunca uma brisa matinal me soube tão bem na cara. Era fresca. Era o que precisava.
Chinelos? Não. Fui descalça até à cozinha, afinal de contas, aqueles azulejos castanhos também merecem ver os meus pés. E os meus pés merecem sentir o frio que o chão é.
Após uma maçã verdinha, um bom, longo, demorado, molhado, genial, infantil banho acompanhado da banda sonora da minha vida.
É impressionante como a nossa vida é um banho, em que o nosso corpo são os nossos pecados, e a espuma a purificação, o perdão dos outros, que nos lava a pele, a alma, e ainda aquela caixinha traquina que se diz chamar coração.


Alexandra Mendes

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Agradecimento

Obrigado por existires. Obrigado pelas flores dos trevos, pelas marcas. Obrigado por me mostrares o amor dentro de um olhar verde e amarelo todos os dias.
Obrigado por me teres posto na tua vida. Obrigada por me acordares. Por me teres mostrado poesia humana, versos de toque. Obrigado por teres feito chorar, por teres feito rir. Por me teres feito ficar com borboletas na barriga e por me deixares sem palavras. Obrigado pelo brilho e pela felicidade.

Dedicado a ti que sabes.
Alexandra Mendes

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Raiva

Cheguei e gritei contigo, naquele tom de voz elevado que só eu consigo ter. Aquele tom de voz que te faz ver que estou mesmo zangada, lixada. Atirei-te as chaves, os meus sapatos vermelhos, os papéis do banco e umas tantas esferográficas que estavam em cima da mesa redonda.
Não queria saber minimamente se o teu dia foi mau o suficiente, estava disposta a torná-lo ainda pior. Sou uma cabra, eu sei.
Só queria ver-te verter lágrimas de sangue, e estava bastante segura que te ia amassar e estripar e cozinhar esse coração, da mesma maneira que deitaste o meu para o chão e o pisaste.
Enquanto expressava a minha raiva, o meu ódio fisicamente, as palavras saíam sem eu sequer ponderar sobre elas. Era um vómito de palavras talvez despropositado e escusado, mas era agressivo ao ponto de voarem para o ar de livre vontade.
Mas tu não te ficavas. Aparentemente sou um ser hipócrita e infantil. Obrigado por me dares a conhecer um novo eu. Odeio-te!
E pior, odeio o meu ódio. Odeio odiar. Odeio odiar porque me forçaste a odiar. Mas não consigo parar! Isto é pelos 50 lenços de papel que estão usados e amarrotados na minha mesinha de cabeceira. Isto é pelas lágrimas quentes e salgadas que gastei contigo. Isto é pela força que destruiste. Isto é pelos ideias, e pelas coisas que fizeste com que eu deixasse de acreditar. Isto é por me teres tornado um ser frágil e assustado, que finje ser a super-mulher. Isto é por me teres tornado numa miserável de espírito. Isto é por tudo!

Alexandra Mendes

sábado, 8 de agosto de 2009

Champagne!

" Come on baby, light my fire. Try to set the night on fire!" Toca "the doors" e sinto-me mais viva que nunca! Nunca antes vi os meus olhos brilhar tanto, nem sequer me lembro da minha pele se encontrar assim tão luminosa e macia nestes últimos tempos.
Agarra num cigarro e vem comigo. Vá, pega nesse copo de cristal falsificado; vamos brindar. Vamos brindar a um novo caminho, uma nova aventura, um novo começo. A um novo fôlego nascido do nada. Olha, vamos brindar às flores que estão naquela jarra, que há dias atrás estavam num mero campo e agora encontram-se no meu palácio desarrumado.
Vamos brindar para a janela, lá está mais fresco e a lua assim poderá juntar-se a nós.
Vamos dançar! Vamos rodar e cambalear! Vamos gritar, berrar, explodir! Vamos esquecer os diabos, esquecer os infernos, esquecer o mau!
Vamos sorrir! Nem que esse sorriso sirva apenas para fingir. Se conseguir enganar um pouquinho a minha alma, já me darei por contente.

Alexandra Mendes

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Ah?

Estou deitada no sofá. Mastigo uma chicla de morango e ouço a "Blood in my eyes" do grande Bob Dylan. Enquanto que os meus pés marcam o ritmo da música, a minha mão direita tenta confortar e namorar o meu cabelo.
Estou de calções, tenho frio. Mas não me apetece levantar para ir buscar umas calças e esbarrar com as recordações que o meu quarto traz ao meu cérebro. Porque é que um génio qualquer não se decidiu a inventar uma máquina de apagar recordações seleccionadas? Ou então uma máquina de voltar atrás no tempo? Ou melhor, uma máquina para conseguir parar o tempo? Lembram-se de tudo menos disso. Seria bastante útil.
Vejo o sol a tentar espreitar, mas que se lixe, não te vou abrir persiana. Já te bastam as cortinas abertas.
Sabes o que queria? Queria saber rasgar fotos. Saber rasgar o peito. Saber rasgar substantivos abstractos. Parecendo que não, esses são difíceis de rasgar. Talvez quando tirar o doutoramento em cirurgia plástica consiga encontrar o raio das gavetas onde se escondem, e aí, possa finalmente exterminá-los.
Vai sonhando. Sonhar não faz mal. Recordar faz. Pensar também. Sonhar não.
Sonha. Sonha!
Alexandra Mendes

terça-feira, 4 de agosto de 2009

O amor?

Amor é bicho que rói.
É fogo que arde e destrói
cada pedaço de nós.

Amor é aperto.
É o prazer do errado
quando a paixão do certo
é insaciável.

É diabo tentador
que nos arrasta para o paraíso.
É fatalidade cruel
que nos dá o que é preciso.

Ata-nos a boca
como quem beija.
Faz virar louca
a dor e a alma
de quem o deseja.

Alexandra Mendes

domingo, 2 de agosto de 2009

Besta

E lá vai ela, descendo pela rua.
Não quer saber da vida de ninguém
excepto da sua.
Congela o chão com a sua violência
e ao mesmo tempo derrete-o
utilizando a falsa inocência.

Traços fortes marcam o seu ser.
Aquela maldita magrinha pendura-nos
desfaz-nos,
e obriga-nos a crescer.

Durante a noite mata-te.
Prende-te e massacra-te.
Dança em seco,
balança-se no perfeito.
Canta no preto,
escreve no peito.


Alexandra Mendes


sábado, 1 de agosto de 2009

Estou a caminho

Cheguei a casa. Deparei-me com um bilhete em papel delicado, azul, e com um pequeno texto escrito a esferográfica preta. Era anónimo, mas pela caligrafia desastrosa percebia-se que o misterioso bilhete fora escrito pelas mãos de um homem.
Vou passar a citar o que dizia. "Vejo-te todos os dias. Todos. Sem excepção. Tento sempre caminhar ao teu lado mas não consigo, e por isso limito-me a observar o teu andar ao longe. Mas não é por isso que perco a atenção ou qualquer detalhe mínimo. Não. Sei de cor cada traço da tua face, sei o perfume a que cheiras e sei exactamente o livro que andas a ler e a música que te agrada. Sei quantas lágrimas derramaste e sei quantas vezes repetiste a mesma frase na esperança de fazeres o sentimento desaparecer. Sei que provavelmente nunca me verás como eu te vejo, mas agora sei que o importante, o que eu quero, é que me vejas de qualquer forma. Vem ter comigo ao teu jardim preferido, sim, esse mesmo. Ah, e se achares bem, veste o teu vestido preto. Ficas bem nele."
Mal acabei de ler a última letra da última palavra sorri. Amarrotei o papel sem querer, e vesti o vestido preto. Soltei o cabelo e pus o meu baton vermelho. Saí a correr com as chaves na mão, esperando não ter de voltar a usá-las naquele dia.

Alexandra Mendes